A exposição “Coletiva Novembro” apresenta a produção de oito artistas brasileiras convidadas pela fotógrafa e jornalista Julieta Schildknecht, mentora da ONG #OnbehalfofBrasil, para realizar intervenções artísticas em formato de ‘lambe-lambe’ em vinte locais de São Paulo, antes de ser exibido em uma instituição de arte. Inspirado no conceito de “escultura social” do artista alemão Joseph Beuys, Schildknecht propôs uma curadoria em expansão no tempo e no espaço. Dessa forma, iniciou o trabalho em março de 2018, com encontros semanais com os artistas, onde, além de sua produção, discutiram temas relacionados à sociedade brasileira e suas transformações. Após a realização dessa etapa na cidade, reuniram-se lambe-lambes para serem expostos em formato de livro, lado a lado com as obras originais.
As artistas foram desafiadas a pensar no impacto das mudanças climáticas e sociais como parte de um problema global. Particularmente em um momento histórico difícil, torna-se urgente discutir os custos do desenvolvimento econômico que não visam a sustentabilidade nem a preservação de paisagens naturais e culturas locais, como os nativos. Nesse contexto, a utopia da metrópole contemporânea, como São Paulo, a maior cidade brasileira com mais de 12 milhões de habitantes, é o símbolo desse desenvolvimento destrutivo, cujo modelo está se esgotando e precisa ser repensado.
Kitty Paranaguá, Miriam Mamber, Renata Telles, Carmen Rein, Fulvia Molina, Marcia Cymbalista, Lynn Carone e Carol Seiler desenvolveram trabalhos que refletem as ligações entre o ser humano e a natureza de diferentes maneiras.
O resultado foi exibido em locais de grande circulação como Minhocão, Avenida Paulista, Estação Pinacoteca, Casa do Povo, Bienal de São Paulo, Rua Augusta, entre outros. A ideia é que as imagens interajam com o cenário urbano em um sentido democrático, fazendo com que a arte encontre o público em seu cotidiano, indo além dos muros das galerias e museus.
Abordar a natureza e sua preservação no Brasil definitivamente evoca a memória de um passado mítico e selvagem, como a reminiscência de nossa origem ainda preservada na Floresta Amazônica, bem como a percepção de destruição, envelhecimento e desterritorialização cada vez mais e mais em um mundo tecnologicamente desenvolvido. Muitas questões ainda não respondidas são substanciais hoje no contexto brasileiro e sua discussão pública definirá o curso do país nas próximas décadas. Por exemplo, ainda é possível falar sobre a preservação de nossa paisagem nativa? Como nossa natureza humana responde às diferentes condições da vida civilizada? É possível manter a convivência pacífica no mundo atual entre as diferentes culturas, sem que as minorias sejam destruídas em nome dos avanços tecnológicos? Como permanecerá aberto aos processos de imigração resultantes de desastres naturais ou sócio-políticos? Nesse sentido, é toda a ecologia social que nos é apresentada como o desafio para uma nova era.
Poeticamente ou diretamente, os trabalhos refletem essas investigações, mantendo uma presença sutil. Fulvia Molina retoma a questão do preconceito e da imigração, na obra “Êxodos”, a partir da fotografia “De Profundis”, de Schildneckt. Ela fala sobre a dor e a angústia que marcam nosso tempo, causadas por problemas econômicos e conflitos políticos. Carone reencena a cerimônia de “lavar os pés” como uma metáfora da vida e nossa capacidade de regeneração. Optou por retratar Brasília, símbolo de contradições na história contemporânea brasileira, e registra o que aconteceu após o crime ambiental da Samarco, em Mariana (MG). Ela pretende discutir o duplo papel que a água desempenha hoje em dia: algo que é vital para a vida, mas, ao mesmo tempo, letal.
Enquanto Rein e Paranaguá buscam a memória da natureza selvagem como corpo e origem que sempre trazemos de volta. A primeira se inspirou na foto de uma grande árvore para representar o que é perdido pelo desmatamento, que destrói nosso relacionamento sagrado com a natureza. Por sua vez, Paranaguá escolheu uma imagem da série “Erótica” que trata o corpo como natureza selvagem em contraposição à virtualidade rápida e exacerbada do mundo atual.
Cymbalista baseia-se na existência da cidade de São Paulo para criar desenhos enigmáticos que aludem às transformações do cenário urbano. Ela se interessa pela geometria espontânea que muitas vezes domina as fachadas exteriores das grandes cidades, através de padrões de grades usadas no combate à violência urbana.
Telles e Mamber criam imagens baseadas nos conceitos de memória e ancestralidade da natureza, tanto quanto na cultura. A primeira escolheu a imagem dos pés como um símbolo ancestral de nossa conexão com a terra (anterior ao conhecimento racional) e nos ritos de passagem que acontecem simbolicamente através da lavagem dos pés. Mamber tira fotografias de utensílios dos povos antigos para recriá-los como instrumentos contemporâneos.
Seiler realiza intervenções a partir de pinturas que mostram o fenômeno dos gêmeos siameses como uma maneira de refletir a interdependência do homem e do mundo ambiental. Ela trabalhou com fotografias borradas da série “The Eliot Twins” de Schildneckt, na qual identifica a questão da duplicidade e identidade.
Do ponto de vista alegórico, a natureza perecível do apoio escolhido para o projeto desempenha os processos entrópicos do mundo. Dessa forma, considera as modificações sofridas pela passagem do tempo na cidade, que também muda constantemente.
Taisa Palhares
- Art critic and curator, lives in São Paulo, Brazil. Professor of University of Campinas (UNICAMP).